"Você" ou "Doutor" ? Ou seria Vossa Excelência ?
LEMBRAM DO JUIZ QUE ENTROU NA JUSTIÇA CONTRA O CONDOMÍNIO EM QUE MORA, POR
CAUSA DO TRATAMENTO DE "'VOCÊ" DADO PELO PORTEIRO?
POIS É, SAIU A SENTENÇA. LEIAM ABAIXO.
OBSERVEM A BELA REDAÇÃO, SUCINTA,
BEM ARGUMENTADA, ATÉ SOLIDÁRIA DO JUIZ ALEXANDRE EDUARDO SCISINIO PARA COM
O JUIZ QUE SE QUEIXA, MAS....
UMA VERDADEIRA AULA DE DIREITO E
DE PORTUGUÊS!
Processo distribuido em 17/02/2005, na 9ª vara
cível de Niterói - RJ
Processo n° 2005.002.003424- 4
S E N T E N Ç A
Cuidam-se os autos de ação de obrigação de fazer manejada por ANTONIO
MARREIROS DA SILVA MELO NETO contra o CONDOMÍNIO DO EDIFÍCIO LUÍZA VILLAGE
e JEANETTE GRANATO, alegando o autor fatos precedentes ocorridos no
interior do prédio que o levaram a pedir que fosse tratado formalmente de
"senhor".
Disse o requerente que sofreu danos, e que
esperava a procedência do pedido inicial para dar a ele autor e suas
visitas o tratamento de ' Doutor, senhor" "Doutora,
senhora", sob pena de multa diária a ser fixada judicialmente, bem
como requereu a condenação dos réus em dano moral não inferior a 100
salários mínimos. (...)
DECIDO: "O problema do fundamento de um direito apresenta-se
diferentemente conforme se trate de buscar o fundamento de um direito que
se tem ou de um direito que se gostaria de ter." (Noberto Bobbio, in
"A Era dos Direitos", Editora Campus, pg. 15).
Trata-se o autor de Juiz digno, merecendo todo o respeito deste
sentenciante e de todas as demais pessoas da sociedade, não se justificando
tamanha publicidade que tomou este processo.
Agiu o requerente como jurisdicionado, na
crença de seu direito. Plausível sua conduta, na medida em que atribuiu ao
Estado a solução do conflito.
Não deseja o ilustre Juiz tola bajulice, nem esta ação pode ter conotação
de incompreensível futilidade. O cerne do inconformismo é de cunho
eminentemente subjetivo, e ninguém, a não ser o próprio autor, sente tal
dor, e este sentenciante bem compreende o que tanto incomoda o probo
Requerente.
Está claro que não quer, nem nunca quis o autor, impor medo de autoridade,
ou que lhe dediquem cumprimento laudatório, posto que é homem de notada
grandeza e virtude. Entretanto, entendo que não lhe assiste razão jurídica
na pretensão deduzida.
"Doutor" não é forma de tratamento, e sim título acadêmico
utilizado apenas quando se apresenta tese a uma banca e esta a julga
merecedora de um doutoramento. Emprega-se apenas às pessoas que tenham tal
grau, e mesmo assim no meio universitário. Constitui-se mera tradição referir-se
a outras pessoas de 'doutor', sem o ser, e fora do meio acadêmico.
Daí a expressão doutor honoris causa - para a honra -, que se trata de
título conferido por uma universidade à guisa e homenagem a determinada
pessoa, sem submetê-la a exame.
Por outro lado, vale lembrar que "professor" e "mestre"
são títulos exclusivos dos que se dedicam ao magistério, após concluído o
curso de mestrado. Embora a expressão "senhor" confira a desejada
formalidade às comunicações - não é pronome -, e possa até o autor aspirar distanciamento em
relação a qualquer pessoa, afastando intimidades, não existe regra legal
que imponha obrigação ao empregado do condomínio a ele assim se referir.
O empregado que se refere ao autor por "você", pode estar sendo
cortês, posto que "você" não é pronome depreciativo. Isso é
formalidade, decorrente do estilo de fala, sem quebra de hierarquia ou
incidência de insubordinação. Fala-se segundo sua classe social. O
brasileiro tem tendência na variedade coloquial relaxada, em especial a classe
"semi-culta" , que sequer se importa com isso.
Na verdade "você" é variante - contração da alocução - do
tratamento respeitoso "Vossa Mercê". A professora de linguística
Eliana Pitombo Teixeira ensina que os textos literários que apresentam
altas freqüências do pronome "você", devem ser classificados como
formais. Em qualquer lugar desse país, é usual as pessoas serem chamadas de
"seu" ou "dona", e isso é tratamento formal.
Em recente pesquisa universitária, constatou-se que o simples uso do nome
da pessoa substitui o senhor/a senhora e você quando usados como prenome,
isso porque soa como pejorativo tratamento diferente. Na edição promovida
por Jorge Amado "Crônica de Viver Baiano Seiscentista", nos
poemas de Gregório de Matos, destacou o escritor que Miércio Táti anotara
que "você" é tratamento cerimonioso. (Rio de Janeiro, São Paulo, Record, 1999).
Urge ressaltar que tratamento cerimonioso é reservado a círculos fechados
da diplomacia, clero, governo, judiciário e meio acadêmico, como já se
disse. A própria Presidência da República fez publicar Manual de Redação
instituindo o protocolo interno entre os demais Poderes. Mas na relação social
não há ritual litúrgico a ser obedecido. Por isso que se diz que a
alternância de "você" e "senhor" traduz-se numa questão
sociolingüística, de difícil equação num país como o Brasil de várias influências regionais.
Ao Judiciário não compete decidir sobre a relação de educação, etiqueta,
cortesia ou coisas do gênero, a ser estabelecida entre o empregado do
condomínio e o condômino, posto que isso é tema interna corpore daquela
própria comunidade.
Isto posto, por estar convicto de que inexiste direito a ser agasalhado,
mesmo que lamentando o incômodo pessoal experimentado pelo ilustre autor,
julgo improcedente o pedido inicial, condenando o postulante no pagamento
de custas e honorários de 10% sobre o valor da causa. P.R.I. Niterói, 2 de
maio de 2005.
ALEXANDRE EDUARDO SCISINIO
/Juiz de Direito/
NÃO É QUE, NESTE PAÍS AINDA EXISTEM JURISTAS HONRADOS E CULTOS!
Nem tudo está perdido...
|
Nenhum comentário:
Postar um comentário